terça-feira, 3 de dezembro de 2013

Abusada e agredida?

Vença a culpa e siga em frente
















Quando as mulheres que estão acostumadas a sofrer abusos sexuais e agressões física e moral chegaram à reunião em Santo Amaro, zona sul da capital paulista, no último sábado, 23, em homenagem ao Dia Mundial de Combate à Violência Contra a Mulher, em vez de se deparar com olhares de acusação e de preconceito, elas foram recebidas com sorrisos, presenteadas com rosas brancas e o livro “Melhor do que Comprar Sapatos”, de Cristiane Cardoso. Assim se deu também em todo o Brasil e em diversos países onde o encontrou aconteceu.
Logo no início, Carlinda Tinôco, coordenadora do Projeto Raabe no País, explicou quais as atividades que o grupo exerce em favor das agredidas e fez questão de enfatizar a importância de um relacionamento com Deus para superar os traumas e seguir em frente.
“O Projeto existe há 2 anos e atende aquelas que sofreram ou ainda sofrem agressão e abusos. Oferecemos ajuda emocional, psicológica e espiritual. Além disso, às segundas e às terças fazemos um trabalho na Delegacia da Mulher. Somente neste ano acolhemos 6 mil novas mulheres”, explica.
Mulheres como a estudante E.S., de 22 anos, que chegou ao evento cabisbaixa e envergonhada por ter sido violentada pelo tio e irmão diversas vezes, desde os 15 anos. “Faz 6 meses que o último estupro aconteceu. Cheguei até a engravidar, mas perdi. Eu não posso contar para ninguém da minha família e nem denunciar, pois na comunidade onde moro, policiais são proibidos de entrar”, afirma.
Há pouco mais de uma semana, a jovem decidiu desabafar com uma voluntária. Ao chegar em casa e contar para os agressores que havia feito isso, ela foi agredida fisicamente e teve de ser internada. “Eu tenho medo deles, pois sei que se eu denunciar eles vão me bater ou até me matar”, revela.
O medo da estudante é justificável, pois de acordo com o estudo “Violência Contra a Mulher: Feminicídios no Brasil”, divulgado recentemente pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), em média ocorrem 5.664 mortes de mulheres por causas violentas a cada ano – 472 a cada mês, 15,52 a cada dia, ou uma a cada hora e meia. Segundo o estudo, mulheres jovens foram as principais vítimas – 31% na faixa etária de 20 a 29 anos, e 23% na de 30 a 39 anos.
Porém, se depender do Raabe essas estatísticas vão diminuir, mesmo que seja aos poucos. Isso porque a cada dia, novas mulheres encontram no projeto o apoio necessário para vencer os traumas. Neste encontro, por exemplo, o assunto “culpa” foi abordado abertamente pela psicóloga Edneia Dutra, que fez questão de alertar a todas sobre a necessidade de a vítima se perdoar.
“A violência traz marcas à mulher. Muitas se sentem culpadas por terem casado com o agressor. É um mal-estar que traz dor à alma e até ao corpo. Algumas se sentem culpadas pelo abuso na infância. Isso é errado, pois como pode uma criança se responsabilizar pela atitude criminosa de um adulto?”, questionou.
Edneia explicou que esse sentimento também está presente dentro daquelas que não são agredidas fisicamente, mas que ouvem palavras negativas e de críticas. Entretanto, seja qual for o motivo pelo qual se carrega a culpa, a psicóloga recomenda apenas uma coisa: o perdão. “Se a culpa for sua, se perdoe. Se for dos outros, se desapegue desse sentimento negativo que a atitude lhe causou.”
A recepcionista Vanessa Chaves, de 21 anos, é uma sobrevivente que sofreu calada por anos, mas graças às palavras recebidas no grupo, conseguiu superar os traumas. Dos 4 aos 9 anos ela foi vítima de abuso sexual do próprio pai. Na hora que estava sendo abusada, ela agia como se não estivesse entendendo nada, pois desta forma ela acreditava que estaria evitando a fúria dele.
Porém, a estratégia de Vanessa era em vão, pois dos 6 irmãos, ela era a única que tinha um tratamento diferenciado, para pior. Era agredida por qualquer motivo. “Eu tinha muitos complexos e não entendia a razão de ele me tratar diferente dos outros irmãos. Esse comportamento dele me magoava mais do que o próprio abuso, pois mesmo com tudo isso acontecendo eu o enxergava como um pai”, desabafa.
Um dia ela decidiu contar o que estava se passando para a mãe, pois era a única que poderia ajudá-la, certo? Errado. Ao revelar os abusos sofridos, em vez de defender a filha, ela acabou se voltando contra Vanessa, desejando que o abuso acontecesse novamente para que ela pudesse flagrá-los. “Ela passou a me perguntar todos os dias se algo havia acontecido. Ela chegava em casa, me revistava, tirava minha roupa tentando encontrar marcas. Isso me revoltava muito, porque a minha própria mãe não estava fazendo nada por mim.”
Um dia, após o irmão tê-la deixado sozinha com o pai, o abuso aconteceu novamente. Dessa vez, Vanessa correu para contar à mãe, que logo questionou o pai. Ele por sua vez não confirmou e nem negou, mas ameaçou se matar. Após a discussão, tudo voltou ao normal entre o casal, como se nada tivesse acontecido. A única coisa que mudou foi a relação de Vanessa com toda família. “Desde este dia, minha mãe falou que era para eu não considerá-lo mais como pai. O clima se tornou insuportável dentro de casa, pois todos estavam em harmonia, até eu chegar. Eu recebia indiretas da parte deles e a paz ia embora. Eu que era a vítima, passei a ser a
vilã”, lamenta.
Aos 11 anos, Vanessa foi à Universal e encontrou alguém que não a condenou, mas a tratou verdadeiramente como filha: Deus. Com as mensagens de fé recebida, ela aprendeu que não era preciso mais se submeter aos abusos, pois o medo que sentia do pai havia sumido. “Quando eu estava com 13 anos, ele me chamou. Só que dessa vez eu disse não. Naquele momento, eu percebi que tinha vontade própria e que Deus estava comigo. Ele não me obrigou a nada. Porém, passou a me bater cada vez mais”, relembra.
Aos 19 anos ela deu um basta à violência de uma vez por todas, saindo de casa. Já em condições de se sustentar, ela partiu e mesmo depois de tudo que sofreu, encontrou forças para perdoá-lo. “Eu conversei com ele, pedi perdão. Ele ficou sem graça, mas eu fiz minha parte diante de Deus. Pois apesar de tudo ele é o meu pai. O projeto Raabe me ajudou muito nesse sentido, pois eu realmente me identifiquei com o grupo.”

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